Instituições estimulam atividades para quebrar preconceitos
No salão de cabeleireiro de mentirinha, João Pontes, de quatro anos,
penteia a professora, usa o secador no cabelo de uma coleguinha e maquia
a outra, concentradíssimo na função. Menos de cinco minutos depois,
João está do outro lado da sala, em um round de luta com o colega Artur
Bomfim, de cinco anos, que há pouco brincava de casinha.
Nos cantos da brincadeira do Colégio Equipe, na zona oeste de São
Paulo, não há brinquedo de menino ou de menina. Todos os alunos da
educação infantil - com idade entre três e cinco anos - transitam da
boneca ao carrinho sem nenhuma cerimônia.
A coordenadora pedagógica de Educação Infantil do Equipe, Luciana
Gamero, explica que o objetivo é deixar todas as opções à disposição e
não estimular nenhum tipo de escolha sexista.
— Acreditamos que, ao não fazer essa distinção de gênero, ajudamos a
derrubar essa dicotomia entre o que é tarefa de mulher e o que é
atividade de homem.
Trata-se de um "jogo simbólico", atividade currInstituições estimulam atividades para quebrar preconceitosicular da educação
infantil adotado por um grupo de escolas que acredita que ali é o espaço
apropriado para quebrar alguns paradigmas. A livre forma de brincar
visa a promover uma infância sem os estereótipos de gênero - masculino e
feminino -, um dos desafios para construir uma sociedade menos
machista.
A diretora pedagógica do Colégio Sidarta, Claudia Cristina Siqueira Silva, afirma:
—Temos uma civilização ainda muito firmada na questão do gênero e
isso se manifesta de forma sutil. Quando uma mulher está grávida, se ela
não sabe o sexo da criança, compra tudo amarelinho ou verde. Nesse
contexto, a tendência é de que a criança, desde pequena, reproduza a
visão de que menino não usa cor-de-rosa e menina não gosta de azul.
Por isso, no colégio em que dirige, na Granja Viana, o foco são as
chamadas brincadeiras não estruturadas, em que objetos se transformam em
qualquer coisa, a depender da criatividade da criança. Um toco de
madeira, por exemplo, pode ser uma boneca, um cavalo ou um carrinho.
—Quanto menos referência ao literal o brinquedo tiver, menos espaço haverá para o reforço social.
A reprodução dos estereótipos acontece até nas famílias que se
enxergam mais liberais. Ela conta que recentemente, em uma brincadeira
sobre hábitos indígenas, um menino passou batom nos lábios. Quando a mãe
chegou para buscá-lo, falou de pronto: "Não quero nem ver quando seu
pai vir isso".
— Podia ser o fim da experimentação sem preconceitos, que não tem
qualquer relação com orientação sexual. Os adultos, ao não entenderem,
tolhem essa liberdade de brincar por uma 'precaução' sem fundamento.
Visão de gênero
Se durante a primeira infância esses estímulos são introjetados sem
que a criança se dê conta, ao crescerem um pouquinho - a partir dos 5
anos -, elas já expressam conscientemente a visão estereotipada que têm
de gênero.
No Colégio Santa Maria, no momento de jogar futebol, os meninos
tentavam brincar apenas entre eles, não permitindo que as meninas
participassem. Foi a hora de intervir.
Orientadora da pré-escola da instituição, Cássia Aparecida José Oliveira, conta que o local propõe atividades diferentes:
— Explicamos que não deveria ser assim e começamos a propor, por
exemplo, que os meninos fossem os cozinheiros de uma das brincadeiras.
Na oficina de pintura, todos foram convidados a usar só lápis cor-de-rosa - convite recusado por alguns.
— Muitos falam 'eu não vou brincar disso porque meu pai diz que não é
coisa de menino'. Nesses casos, a gente conversa com a família. Entre
os convocados, os pais de meninos são a maioria. Um menino gostar de
balé é sempre pior do que uma menina querer jogar futebol. E, se não
combatemos isso, criamos uma sociedade machista e homofóbica.
O embate é árduo e é preciso perseverança. Mesmo no Colégio Equipe,
aquele em que as crianças se alternam entre o cabeleireiro e o
escritório, alguns comentários demonstram que a simulação da casinha é
um primeiro passo na construção de um mundo menos machista. O pequeno
Artur, de cinco anos, se anima ao participar da brincadeira. Mas, em um
dado momento do faz de conta, olha bem para a coleguinha e avisa:
— Eu sou o marido. Vou sair para trabalhar. Você fica em casa.
Texto retirado do site R7, no dia 06/05/2013