segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Muito além do conteúdo

História de professores mostra que arte de ensinar vai além do conteúdo 

 

A professora Linea Pinto Montresor dificilmente vai se lembrar de mim. Mas foi ela quem, em 1976, pegou pela primeira vez na minha mão para ajudar a correr o lápis com as letras do meu nome. Não esqueço: a ficha precisava ser copiada com capricho e a letra tinha de ser bonita. Lembro-me bem do sorriso da mestra quando a escrita ficava certinha, na linha. Desde então, escrevo para a vida. Os professores pontuam a linha do tempo. Como a professora Linea, no passado, outros bons exemplos do presente ajudam jovens de Belo Horizonte a ter gosto pelo estudo e a sonhar com o futuro. Diante da geração Z – os nascidos em meio ao boom tecnológico –, mestres da rede pública e privada de ensino se superam para reinventar o jeito de promover o conhecimento e suprir a ausência dos pais, cada vez mais afetados pelas urgências do século 21. Roseany Micheline Lopes, de 38, Magna Celene, de 42, e Jaime Eustáquio Alves de Faria, de 54, pais e educadores por amor, talento e vocação, falam sobre as alegrias e os desafios de ensinar em tempos de egocentrismo e superficialidades.
“Aí, Jaimão!”, exclama a voz de garoto no corredor da Escola Municipal Paulo Mendes Campos, no Bairro Floresta, na Região Leste da capital. João Vítor, de 13, do 9º do ensino fundamental, vê em Jaime Eustáquio, professor de matemática, o profissional ideal. “É um professor pela ordem porque zoa a gente e ensina muito bem. Brinca com a gente na hora que tem de brincar. Na hora de estudar é hora de estudar. Mas a gente aprende com ele até brincando. O que mais aprendi foi geometria”, sorri, grato e simpático.
Mestre Jaime, festejado no pátio, é mesmo bastante querido no colégio. Perto de se aposentar – em parte, num turno apenas –, não passa batido pelos corredores durante o intervalo. Breno Henrique, de 14, diz não esquecer os sistemas de equação ensinados pelo professor. “O mais incrível é que ele usa o horário de almoço para dar aulas de reforço para os alunos”, elogia o estudante, na dúvida entre medicina e engenharia. Ana Beatriz Mesquita, de 14, a Bia, fala em professor amigo. “Ele motiva. É um exemplo. Está sempre perguntando se há alguma dificuldade e se mostra o tempo todo à disposição para ensinar”, diz.
Homem de números, Jaime deixa escapar a fórmula que o faz tão bem-sucedido: “Afetividade (a) + limite (l) + trabalho em grupo (tg) = reconhecimento (R). Divido por todos = bem comum (BC)”. O mestre, pai da designer Jéssica e das gêmeas Janice e Janaína, destaca o empenho em equipe da escola para oferecer melhores condições de aprendizado. Elogia o desempenho dos professores Sérgio, Ricardo e Grassy, companheiros na matemática, que, em 2012, garantiu uma medalha de bronze e 16 menções honrosas para os alunos da escola nas olimpíadas da disciplina.
“O Brasil está num bom momento e é a hora de mais investimentos na educação. Especialmente na base, no fundamental. A sociedade brasileira conquistou isso, a escola agora é para todos”, considera. Para o professor, no entanto, é preciso que o poder público dê ainda mais atenção e qualidade ao ensino. “Aprendo com os meninos. A escola, hoje, precisa ser muito mais dinâmica. Essa geração quer resolver tudo com um clique”, diz. Para mestre Jaime, a estrutura da educação pública no Brasil melhorou muito nos últimos 20 anos.
O professor chama a atenção para os novos desafios. Especialmente no que se refere às drogas, à violência. “Infelizmente, perdemos a guerra contra as drogas. Já vi aluno sair algemado da escola. Estava traficando”, lamenta. Jaime sugere esforço ainda mais concentrado, em todas as instâncias: família, escola e poder público, alinhados, contra a dependência e todos os males do vício. Na salinha da coordenação, a mocinha de belos cabelos até a cintura espera para falar sobre o professor. Giulia Vieira de Abreu, de 13, antes da entrevista tímida e feliz, longe do mestre, emociona-se: “Ele ensina mesmo. E ensina porque é muito amigo dos alunos”, sorri.

Em constante mudança

No Bairro Cidade Jardim, na Região Centro-Sul da capital, a diretora Cristina Durzi não pensa duas vezes para destacar o trabalho da professora de história Magna Celene. São 20 anos de comprometimento com o ensino, que começou antes mesmo de a mestra concluir a graduação. Filha e irmã de professoras, Magna, adolescente, já dava aulas no porão da casa da mãe, no Bairro Industrial, em Contagem. Conta, orgulhosa, com o olhar luminoso, ter tido até cinco alunos num único dia, nos tempos de menina. Primeiro, pensou em ser advogada, mas gostou tanto de estudar história para a segunda etapa da UFMG, que acabou nas salas de aula, “feliz da vida”.
Pela paixão expressa na fala sobre o ensino, sobre a relação com os alunos, não é dificil entender o sucesso da mestra Magna no Colégio Pitágoras. De voz calma e firme, com técnica que ensina, devolvendo respostas por meio de perguntas, a professora usa a “descoberta do fogo” para falar em tecnologia. Sabe bem da geração Z, dos “nativos tecnológicos”. “Preciso pegá-los pela curiosidade. Aproveitar o que eles já sabem. Aprendo a dar aula dando aula. São os meus alunos os meus professores”, diz. Com tanto a dizer, ela vai além das salas de aula para ajudar na formação de outros professores de todo o Brasil.
Magna considera os atrativos da era digital uma “concorrência difícil”, mas possível de ser combatida. “Precisamos fazer uso da diversidade de todas essas ferramentas. Podemos, por meio delas, melhorar o nosso jeito de ensinar. Temos também que saber que a sala de aula é viva, ela pulsa, exige mudanças constantes”, avalia. Para a educadora, não há mais espaço para o “dador de aula”, aquele esquemático, que não está preparado para improvisar. Magna diz buscar uma aprendizagem de significado. Sabe da importância da escola, mas não isenta a responsabilidade dos pais. “Procuramos atrair a família para mais perto de nossos alunos”, conclui.

Lições para ganhar o mundo

A Escola Estadual Governador Milton Campos, mais conhecida como Estadual Central, foi o primeiro colégio público de Minas Gerais. Inaugurado em Ouro Preto, em 1854, está desde 1956 no Bairro de Lourdes, em obra de Oscar Niemeyer, erguida por Juscelino Kubitschek. Endereço nobre, com 3,2 mil alunos, em que a professora Roseany Micheline Lopes ajuda a fazer história. “Impressionam sua dedicação, organização e inteligência. Ela não quer o nosso aprendizado apenas da matéria dela. Para a professora Roseany, a gente tem de ir bem, aprender todas as disciplinas”, diz Jenny Karla Alves, de 17, cursando o primeiro período de direito.
A ex-aluna da professora de biologia do Estadual Central não poupa elogios para os tempos – até o ano passado – em sala com Roseany. “Ela não mede esforços para ajudar. É dona de uma paciência admirável, exemplar. Aprendi com ela a não privilegiar apenas as minhas inclinações. Na vida, a gente precisa aprender a lidar especialmente com as nossas dificuldades”, diz. Ficou a lição. Jenny, do Bairro Novo Alvorada, em Sabará, na Grande BH, sonha ser diplomata.
Voluntária da Pastoral da Criança, com tão pouca idade, Jenny lamenta a desestruturação familiar no Brasil. “Não é o meu caso, porque minha família sempre esteve muito presente. Mas trabalhamos com crianças carentes, de lares partidos, e vemos o quanto elas sentem falta da presença dos pais.” A consideração já havia sido feita pela professora Roseany, longe de Jenny, em outro dia e endereço. Para a mestra do Estadual Central, grande parte da responsabilidade pelos problemas com a educação no Brasil vem da omissão dos pais.
“No momento em que os pais estão mais ausentes, que abandonam os filhos, o ensino piora. A falta de estrutura está no berço.” Para Roseany, quem estuda precisa ir à escola em busca de conhecimento e não de títulos. A mestra considera que é preciso dar mais atenção ao ambiente familiar, primeiro contato com a educação. Diamantinense, ela começou a dar aulas particulares de matemática, física, química e biologia ainda mocinha, aos 19, quando pensava ser farmacêutica. Quase 20 anos depois, a troca dos laboratórios pelas salas de aula é motivo de alegria. Ainda mais pelo sucesso dos ex-alunos, como Jenny, futura diplomata.

 
 
Texto e imagem retirados do site Estado de Minas, no dia 25/02/2013.

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